Práticas Nômades: por devires revolucionários
Por Cecilia Maria Bouças Coimbra
Problematizando a si mesma, interrogando-se em seus caminhos de militância, a autora Alice De Marchi Pereira de Souza – através de 21 cartas – vai tecendo uma potente e rica cartografia de algumas práticas militantes hoje.
Vinda de uma geração – diferente da tradicional dos anos de 1960 e 1970 – onde os questionamentos sobre si e o mundo se colocam como principal vertente, Alice nos aponta, dentre os modos de militância que se embaralham e se entrecruzam, um mais ortodoxo e tradicional, onde uma determinada leitura da teoria marxista se faz presente e outro – de onde vem – onde se afirmam os autores da chamada Filosofia da Diferença.
Partindo do alerta feito, em 1977, por Michel Foucault no Prefácio à edição norte-americana de “O Anti-Édipo” de Gilles Deleuze e Félix Guacari, de que “não é preciso ser triste para ser militante”, a autora coloca em análise ao longo dessas cartas, vários conceitos como o de militância, esquerda, direita, direitos humanos, entre outros.
Especialmente através de sua experiencia cotidiana na ONG Justiça Global, mas também através de outros espaços onde atuou, Alice põe a nu esses sedutores e perigosos lugares ocupados pelo militante missionário, visionário, onipotente, arrogante, dono de uma verdade e dono da revolução.
Desse mal, todos nós sofremos. Os sedutores e perigosos discursos-ações que os levam a uma transcendência, a uma finalidade, à política de representação, estão presentes em nós e em nossa ânsia de mudar o outro e o mundo. É o Estado, é a Lei, é a Moral em nós!
Esta pesquisa, diferentemente, irá afirmar a imanência, a não finalidade, a experimentação, a processualidade de nossas práticas. Esse eterno inacabamento, esse estar sempre se fazendo, esse devir revolucionário nos apontam para práticas nômades que fogem, escapam, desnaturalizam, dessacralizam.
Este é o desafio que se coloca para cada um de nós: afirmar micropoliticamente essas práticas nômades em um mundo prenhe de representação, de Estado, de lei, de moral, de verdade, de dogmatismo, de eu…
Rio de Janeiro, Primavera.
Cecilia Maria Bouças Coimbra é psicóloga, fundadora e atual Diretora do Grupo Tortura Nunca Mais – RJ, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia “Estudos da Subjetividade”, da UFF, Pós-Doutora em Ciência Política pelo Núcleo de Esudos da Violência da USP.