Italiana Silvia Federici, de 81 anos, que veio ao Brasil lançar dois livros, é uma das intelectuais feministas de maior projeção em atividade.
PorTalita Duvanel.
No Brasil para lançar dois livros (“Além da pele”, editora Elefante e “Quem deve a quem”, em parceria com editora Elefante e Criação Humana), a italiana Silvia Federici, de 81 anos, uma das intelectuais feministas de maior projeção em atividade, aproveitou para adiantar as comemorações dos 20 anos da primeira edição de “Calibã e a bruxa” (2004). Numa de suas obras mais importantes, ela— que mora nos Estados Unidos desde 1967 e, desde então, batalha para que haja pagamento pelo trabalho não remunerado de mulheres em seu próprio lar — mostra como, na transição do feudalismo para o capitalismo, foi crucial para o sucesso do novo sistema confiar às mulheres o papel único e exclusivo de reprodutoras da força de trabalho. Aquelas que conseguiam controlar a própria natalidade e tinham posições de poder foram tachadas de bruxas e dizimadas. Assim, ela relata, estabeleceram-se as bases da divisão sexual do trabalho — com as mulheres cuidadoras maternais — que permeia o modo de vida predominante nas sociedades ocidentais.
Na entrevista a seguir, realizada em Paraty durante sua passagem pela Flipei e antes de embarcar para São Paulo, a autora, que interrompe a conversa para ajudar o marido (ele se movimenta com dificuldade), fala sobre a sobrecarga da economia do cuidado, analisa uma volta da “caça às bruxas” e conta como seria sua redação no Enem 2023 sobre o tema “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher”.
O mundo está melhor ou pior para as mulheres, de uma forma geral, desde que a senhora escreveu “Calibã e a bruxa”?
Estamos vendo a situação piorar. Pessoas estão sendo expulsas de suas terras, há uma deterioração das condições de produção, cortes nos orçamentos, uma crescente militarização da vida. E às mulheres cabe suportar o fardo do trabalho reprodutivo mais e mais com menos recursos. Agora ainda há uma nova caça às bruxas em todo o mundo, especialmente na África, Índia, América Latina e no Brasil. Por exemplo, no dia 18 de setembro, Sebastiana, líder dos guarani-kaiowá no Mato Grosso do Sul, foi queimada viva (Nhandesy Sebastiana era líder religiosa dos guarani-kaiowá, em Aral Moreira, e teve o corpo carbonizado juntamente com o do marido, Nhanderu Rufino). Ela comandava uma luta contra a expropriação de terras comunais para o cultivo de soja. Esse foi mais um caso de mulher acusada de ser bruxa pelo fundamentalismo cristão. No Sul Global, fica muito claro que as motivações econômica e política e a briga pela terra dão um empurrão contra a luta das mulheres por autonomia.
Como a inteligência artificial e as redes sociais têm transformado a exploração dos corpos e da força de trabalho feminina?
Estão tentando nos convencer de que não precisam mais do trabalho humano com a IA. Isso é uma arapuca. As pessoas trabalham mais do que nunca hoje. Esse é um primeiro aspecto. O segundo é a completa tecnologização da vida. Existe essa ideia de que podemos ter máquinas fazendo trabalhos de cuidado. É o contra-ataque à luta que as mulheres travaram. Esta tem sido a história do capitalismo. Quando os trabalhadores combatem uma forma específica de exploração, o capitalismo se precipita em pensar numa máquina. Há uma explosão de estudos sobre simpáticos robôs que andam, falam e podem cuidar de idosos e crianças. Isso é o contrário do pregamos: precisamos falar sobre formas coletivas de cuidado. Precisamos superar o isolamento em que mulheres foram obrigadas a cuidar da reprodução, dos idosos, das crianças, dos enfermos. Mas eles vão nos dar robôs legais…
Com voz feminina…
E com voz feminina! Precisamos de uma crítica feminista da inteligência artificial. Uma crítica que tenha lados múltiplos, que olhe para a destruição ecológica, para a ilusão de liberdade e em termos de alienação das relações humanas.
No Brasil, temos o Enem, uma prova nacional para alunos do Ensino Médio entrarem na universidade, e todo ano há uma redação, com um tema…
Ah, sim, este ano foi sobre trabalho doméstico! Eu soube. Muito interessante. Fiquei bem feliz.
Se conversasse com estudantes agora, o que diria ser mais importante de estar nesta redação?
Meu argumento principal seria de que, quando olhamos para a organização do trabalho doméstico no capitalismo, temos uma janela para entender a lógica que faz esse sistema prosperar. O trabalho doméstico é considerado uma atividade biológica, mas é fundamental porque produz mão de obra. É o que faz a roda girar. Não produzimos carros ou ferramentas, produzimos seres humanos. O movimento feminista redefiniu (o olhar) para este trabalho. A questão é: por que é tão desvalorizado? Ele é tão importante, tão crucial que, se tivessem que compensar as mulheres, não teriam conseguido acumular a grande riqueza que acumularam. Isso é o início do entendimento de que vivemos numa sociedade baseada na exploração e na desvalorização da nossa vida. E isso devia ter feito parte da redação: tem havido uma revolução do conceito de trabalho doméstico. Mais e mais pessoas têm tido consciência de que não é só limpeza e cozinha. É um trabalho emocional, sexual, intelectual, de conciliação de todas as diferentes necessidades das pessoas: do homem, da crianças, dos outros parentes. São as mulheres que mantêm a comunidade unida.
A senhora falou de terra, Sul Global… Soa como um “neo neocolonialismo”.
Há um movimento progressivo em direção a uma recolonização. Vemos um novo colonialismo muito violento. Alguém escreveu, e penso que muito bem, que a Palestina hoje é o mundo. No sentido de que, numa visão macro, o capitalismo está se expandindo e expulsando as pessoas de suas terras e empurrando-as para campos de refugiados ou para a imigração. Por causa desta tomada de posse de terras — particularmente por empresas extrativistas e pelo agronegócio — e também por uma constante erosão do investimento nas pessoas, são as mulheres que pagam o preço mais elevado. Elas precisam compensar com trabalho e sacrifícios extras pelos recursos que estão diminuindo.
Na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), evento de que a senhora veio participar, mesas de sucesso falaram sobre o tema do encarceramento em massa de pessoas negras, principalmente mulheres. Num país como o Brasil, como isso contribui para a manutenção do capitalismo?
Este é um sistema de terror de Estado. E ele é utilizado para que a sociedade mantenha uma força intensiva de exploração, com desigualdade produzindo cada vez mais desigualdade. O capitalismo acumula dinheiro, injustiças e hierarquias. Está muito claro que a escravidão não acabou. Temos novas formatos, que vão desde modelos financeiros e ao encarceramento em massa. Vejo o Brasil como um dos países do mundo com o maior nível de hierarquias racializadas. Então, faz sentido que os negros sejam intimidados, afinal essas hierarquias são fundamentais para a continuação do sistema, dando aos brancos o poder de oprimir os negros, aos homens o poder de oprimir mulheres. Este é realmente o problema de tantos grupos e organizações políticas. Como podemos desfazer isso? Como criamos demandas organizacionais, movimentos e lutas que sejam capazes de subverter essas divisões hierárquicas?
Esta entrevista com Verónica Gago, professora da Universidade de Buenos Aires (UBA) e da Universidade Nacional de San Martin (UNSAM), busca dialogar com as recentes movimentações construídas no bojo das lutas e interpretações que têm marcado os últimos anos na América Latina. Este tem sido um período atravessado por uma pujante produção e tradução para o português de livros de mulheres intelectuais e feministas de várias tradições, e por intensas mobilizações pelos direitos das mulheres, como as lutas pelo direito ao aborto e de enfrentamento ao feminicídio, que criaram ressonância em diversos países e continentes, e que vêm provocando uma inflexão por novas perguntas e métodos de ler, interpretar e incidir na realidade social. No conjunto destas articulações, tem-se ampliado ações que buscam melhor conhecer a produção latino-americana e é neste movimento que se inserem os diálogos com Verónica Gago. Em nosso encontro, durante o Seminário Internacional “As perspectivas feministas sobre a geopolítica global patriarcal e racista”, realizado em Salvador (BA), em 2019 – momento de articulação dos movimentos e intelectuais feministas da América Latina, que coincidia com a visita realizada pela italiana Silvia Federici para o lançamento do livro “O Ponto Zero da Revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista” –, propusemos a realização desta entrevista. Com a impossibilidade de realizá-la durante o seminário, contamos com a generosidade de Verónica de responder às perguntas que formulamos por escrito. Esta forma de realização da entrevista permitiu uma elaboração densa e rica, e que compartilha também novos debates produzidos pós-seminário, que coincidem com novas publicações suas, mencionadas ao longo da entrevista. Nossa tradução buscou preservar com o máximo cuidado as complexas elaborações apresentadas, mantendo aspectos da formatação do texto da entrevista – grifos e itálicos – enviado por Verónica, que buscavam destacar e salientar algumas ideias nas análises. Esperamos que o diálogo consolidado nesta entrevista contribua com a partilha, mas também o reconhecimento, das elaborações que se têm construído na íntima relação entre academia e militância, expressas na experiência da Verónica Gago e que refletem uma estratégia de produção de conhecimento mobilizada por muitas mulheres nas universidades da América Latina.
Você poderia se apresentar, falar um pouco sobre você? Verónica Gago – Me chamo Verónica Gago. Vivo em Buenos Aires (ainda que não tenha nascido aqui, e sim em um povoado a 200 quilômetros da capital). Estudei Ciência Política na Universidade de Buenos Aires e depois de vários anos, nos quais só me dediquei à militância e ao trabalho, iniciei o Doutorado em Ciências Sociais. Sou professora nesta mesma Universidade de ensino na graduação e pós-graduação sobre economia internacional e teoria política. Também trabalho na Universidade Nacional de San Martin, onde sou responsável pelos cursos de teoria crítica, economias populares e economia feminista. Sou investigadora no Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (CONICET). Comecei minha militância na Universidade como estudante e continuei vinculada a um grupo de investigação e ação militante que se chama Coletivo Situações. Como parte dessa iniciativa também se formou a Editora independente Tinta Limón, da qual sigo sendo editora. Desde 2016, sou parte do coletivo NiUnaMenos.
Como foi o teu encontro com o feminismo, enquanto teoria e movimento social? Verónica Gago – Na militância na universidade, o feminismo estava presente entre as companheiras que conformavam o Coletivo Situações, porém de uma forma que não buscava, acredito, impactar de modo direto as lógicas mistas da organização do próprio coletivo. Sem dúvida, a discussão sobre o papel das mulheres na política – ainda sem nomear especificamente como feminismo – era muito forte nos debates que circulavam então nos anos 1970, também sobre as trajetórias de várias militantes que se fizeram feministas durante seus exílios, e também sobre como essas dinâmicas e biografias se expressaram na década de 1980, momento que aqui se chamou “transição à democracia”. Tem um ponto fundamental que marca a sensibilidade de várias gerações, o papel das Mães e Avós da Praça de Maio, como um fio vermelho de longa duração. Neste contexto, a militância vinculada aos direitos humanos dessa geração foi fundamental para nós que tínhamos em torno dos 20 anos nos anos de 1990, já que foi um primeiro momento de ação direta, em que o “escracho” aos genocidas, que estavam impunes em suas casas, foi um modo de pôr em prática outra ideia de justiça. Nesse momento, se tenho que me referir a uma experiência de feminismo que me/nos marcou, a nós que militávamos juntas naquele momento, foi conhecer a prática de Mulheres Criando, da Bolívia. Tanto seus grafitis, como seu periódico, que difundíamos em Buenos Aires. Logo, uma das experiências de formação mais intensas para mim foi vivenciar a crise de 2001, na qual movimentos sociais muito importantes, especialmente de trabalhadorxs desempregadxs, abriram um horizonte político popular muito radical. Nestas experiências, com as quais me vinculei a partir do coletivo do qual era parte, elaborou-se um desafio à legitimidade política do neoliberalismo e para todxs nós, que nos comprometemos com as assembleias, os piquetes e as redes de intercâmbio e organização, foi como atravessar um limiar de como habitar as ruas e vivenciar uma nova política. A partir do trabalho editorial, alguns anos depois, também estabelecemos uma relação com companheiras cuja trajetória de luta e pensamento são chaves para uma sensibilidade e um arquivo feminista que, para mim, seria muito importante. Refiro-me a pessoas como Silvia Federici, Raquel Gutiérrez Aguilar, Silvia Rivera Cusicanqui e Suely Rolnik. Logo, com minha militância no coletivo NiUnaMenos, sou parte de uma experiência que nos permite viver e militar de forma plena o feminismo, no preciso momento em que ele se torna um movimento social, massivo e radical, algo que é uma novidade em nosso país e, ao mesmo tempo, que existe dessa forma na medida em que expressa uma conexão e uma força transnacional muito potente.
Como tua militância no NiUnaMenos e tua formação como cientista social se encontram na tua atuação como pesquisadora? Verónica Gago – Minhas problemáticas de investigação estiveram sempre vinculadas ao trabalho, desde o ponto de vista das dinâmicas do que se chama feminização do trabalho, e do trabalho migrante, que se encontram, sem dúvida, com as economias subalternas. Isto imediatamente me levou a indagar a partir das perspectivas feministas. Tanto no que sistematizei para meu trabalho de tese, como nas questões que me interessavam previamente em termos teóricos e de minhas experiências, essas questões se conectavam. Daí também é que comecei a aprofundar minhas formulações sobre o mapa do neoliberalismo na América Latina. O fiz partindo de minha investigação que se localizava na Argentina, mas à medida que envolvia trajetórias feminizadas migrantes e pela própria dinâmica do capital transnacional – especialmente em sua fase de hegemonia financeira –, tornou-se essencial sair de um “nacionalismo metodológico” para pensar outras chaves explicativas. Minha investigação sempre teve, para mim, um caráter de intervenção política e esteve associada a formas de militância, mesmo quando parte dela era realizada na universidade. Isto tem relação também com uma tradição de compromisso político da universidade pública e gratuita em nosso país. Minha militância no NiUnaMenos e especialmente na dinâmica de organização da greve feminista internacional certamente se articula e impacta de múltiplas maneiras minha própria pesquisa, sobretudo porque a greve produz um mapeamento prático da heterogeneidade das formas de trabalho em uma chave feminista, colocando, em primeiro lugar – como falarei mais à frente – trajetórias de vida e trabalho historicamente desvalorizadas e superexploradas. Desta maneira, acredito que tenha uma contaminação recíproca das formas de prática política e da investigação militante que faz com que a produção de conceitos não seja um monopólio da academia, nem que a prática política se reivindique como anti-intelectual.
Em teu livro “A potência feminista, ou o desejo de transformar tudo” 2, você discute a greve internacional de mulheres. Neste contexto podemos pensar em uma ressignificação da greve a partir da luta feminista? A greve assumiria um novo sentido? Qual? Verónica Gago – Sim, acredito que a prática da greve vivenciada a partir do movimento feminista modifica-a por completo porque, para dizê-lo de modo simples, a greve se pratica “fora do lugar”. Devo explicar: em primeiro lugar, a greve torna-se um dispositivo específico para politizar as violências contra as mulheres, lésbicas, travestis, trans e não binários. Em outras palavras, a greve cruza duas questões que historicamente se viam desencontradas. Conectar as violências machistas com a ferramenta da greve realmente amplia nossa compreensão das violências. Com a ferramenta do “paro”3 [greve] começamos a vincular de modo prático as violências que se enlaçam com a violência machista: a violência econômica na diferença salarial e nas horas de trabalho doméstico não reconhecido e não pago, com o disciplinamento que se enlaça com a falta de autonomia econômica; a violência da exploração que se traduz no lar como impotência masculina e explode em situações de violência “doméstica”; a violência do sucateamento dos serviços públicos com a sobrecarga do trabalho comunitário. A greve, neste sentido, é uma ação que nos situa como sujeitxs políticos frente às violências e sua tentativa sistemática de reduzir nossas dores, colocando-nos na posição de vítimas, a serem culpadas e revitimizadas. A greve nos põe em situação de luta. Não esquece a dor, porém nos retira do “estado” de dor. Mas também, fazendo isso, expande-se e é apropriada por aquelxs que supostamente não estavam autorizadas nem legitimadas para fazer greve, uma ferramenta clássica monopolizada pelo movimento trabalhista e sindical (e majoritariamente masculino, heterossexual e branco). Daí coloca-se uma pergunta prática e teórica muito desafiante: Como a greve feminista é protagonizada simultaneamente desde territórios, sujeitxs e experiências que não cabem na tradicional ideia de trabalhadorxs e que, por isso mesmo, têm a capacidade de reinventá-la e transformá-la? Neste sentido, a greve analisada a partir do movimento feminista, como tem acontecido nos últimos quatro anos inclui, reconhece e visibiliza como força de trabalho, como potência produtiva, como criadoras de valor, uma multiplicidade de sujetxs que historicamente foram definidxs como improdutivxs, ao mesmo tempo que eram superexploradxs. Desta maneira, o “paro” conseguiu traduzir novas gramáticas de exploração, nomeá-las e situá-las, estabelecendo novas gramáticas de conflito. Redefine assim o que é um conflito de “trabalho” porque o alarga: localiza-o, não só nas fábricas ou em espaços de trabalhos formais, para levá-lo a outros lugares – do lar às economias populares, das camponesas às migrantes sem documentos, das feiras aos restaurantes comunitários. Essa trama, que implica um processo político de organização, envolvimento e de compartilhamento, produz as condições para entender a conexão entre o trabalho doméstico e a exploração financeira, o trabalho precário e a hierarquia nos sindicatos, evidenciando as áreas de exploração que historicamente foram invisibilizadas e sua relação íntima com áreas de trabalho “visíveis”. O paro, por esta capacidade de mapear a heterogeneidade do trabalho a partir de uma chave feminista, tomou múltiplas formas, distintas modalidades de protesto, de assembleia, de usos da própria noção de parar e bloquear, de ocupar e esvaziar os espaços de trabalho, as casas e os espaços de produção nos bairros. A partir dessa multiplicidade, outra pergunta também encontra espaço: Por que o paro expressa um modo de subjetivação política, um modo de atravessar fronteiras sobre o limite do possível? Em meu livro, proponho o paro feminista como “lente” de leitura para as reconfigurações do capitalismo contemporâneo, de seus modos específicos de exploração e extração de valor, e das dinâmicas que lhe resistem, sabotam e contestam. Porque se o paro é um modo de parar a continuidade da produção do capital, entendido como relação social, é porque põe em marcha uma desobediência à contínua expropriação de nossas energias vitais, espoliadas em rotinas exaustivas. Por essas razões, novas perguntas continuam se abrindo: que acontece com a prática do paro quando é pensado e praticado com base em sensibilidades que não se reconhecem a priori como de classe e que, sem dúvida, desafiam a própria ideia de classe? Em que sentido esse “deslocamento” do paro, seu “uso” fora do lugar, remapeia as espacialidades e temporalidades da produção e do antagonismo? O paro reinventado pelo feminismo se transformou em seu sentido histórico também ao sair do âmbito estrito dos sindicatos: deixou de ser uma ordem emanada de cima (hierarquia sindical) que se acata ou adere, para converter-se em uma pergunta-investigação concreta e situada: que significa parar para cada realidade existente e de trabalhos diversos? Essa pergunta pode ter um primeiro momento que consiste em explicar por que não se pode fazer paro no lar, ou como vendedora ambulante, ou como encarcerada, ou como trabalhadora freelance (identificando-nos como as que não podem parar), mas imediatamente depois de verificada essa impossibilidade (completamente massiva em nossos países) assume outra força: essas experiências são levadas a ressignificar e expandir o que se suspende quando a greve deve compreender e acomodar essas realidades, ampliando o campo social em que a greve se inscreve e produz efeitos. No livro, descrevo várias situações concretas nas quais essa simultaneidade entre impossibilidade e desejo de parar abrem caminho para uma imaginação política radical. Por último, gostaria de sublinhar que o paro vai além e integra a questão trabalhista porque torna visível que paramos nosso trabalho e paramos contra as estruturas e a ordem que tornam possível a valorização do capital. Esses ordenamentos (da família heteropatriarcal à maternidade compulsória, do aborto clandestino à educação sexista) não são meramente questões culturais ou ideológicas. Eles respondem ao próprio entrelaçamento do patriarcado, do colonialismo e do capitalismo e destacam que tipo de violência específica necessita hoje o capital e contra quais corpos e territórios ela incide de maneira diferenciada.
A economia feminista tem problematizado a invisibilidade dos trabalhos domésticos e de cuidados na Economia. Como as greves ajudaram a ampliar a visibilidade destas fronteiras do trabalho na produção e reprodução da vida? Verónica Gago – A greve feminista tem colocado o foco no terreno da reprodução para, como dizia antes, relevar e revelar todas essas tarefas como diretamente produtivas e obrigatórias por ordenamentos de gênero. O modo de visibilizar esses trabalhos imprescindíveis foi a base para sua interrupção: deixar de fazê-los para que sua ausência os torne evidentes em toda a sua presença historicamente invisível e desvalorizada. As teorizações feministas popularizaram a noção de tripla jornada: trabalho fora de casa, trabalho dentro de casa e trabalho afetivo de produção de vínculos e redes de cuidado. Parar essa multiplicidade de tempos é uma subtração que parece quase impossível, porque é nesse excesso que a vida e o trabalho se encontram e onde a reprodução visibiliza-se imediatamente como produção. Fazer “paro”, em todos estes tempos de trabalho, põe em relevo o tempo a partir do ponto de vista feminista, em sua condição sobreposta: como se “produz” a hora que mais tarde é contada como trabalho? Como se produzem xs trabalhadorxs para sua reprodução vital e cotidiana? Portanto, “parar”, nesta chave, é repensar tudo. No trabalho político da greve, realizado entre organizações territoriais e sindicatos, em universidades e em grupos de migrantes, tem-se feito tão popular o que Silvia Federici sintetiza sobre o trabalho reprodutivo dizendo: “não é amor, é trabalho não pago”. Isso significa uma historicização de como se tem organizado o trabalho reprodutivo em nossas sociedades capitalistas, patriarcais e coloniais. Destaca sua obrigatoriedade e sua gratuidade – também obrigatória, seu vínculo com a heteronormatividade, seu caráter de subordinação política ao trabalho considerado produtivo e, também, sua sobreposição com os trabalhos no mercado de trabalho, porque são poucas as que hoje fazem apenas trabalho reprodutivo em suas casas (a figura ideal da “dona de casa”). Além disso, o trabalho reprodutivo não é apenas o que acontece nos lares; também reúne uma série de qualidades que caracterizam cada vez mais o trabalho precarizado – e, por isso, fala-se de uma feminização do trabalho – em geral. Colocando em termos concretos: a dimensão gratuita, não reconhecida, subordinada, intermitente, e às vezes permanente, do trabalho reprodutivo serve hoje para ler os componentes que compõem as formas históricas das economias populares; mas também a precarização como um processo transversal atual. Fornece chaves sobre as formas de exploração intensiva das infraestruturas afetivas e, por sua vez, permite compreender o alargamento extensivo da jornada de trabalho no espaço doméstico e a disponibilidade permanente como recurso subjetivo primordial. Neste sentido, ao incluir o trabalho reprodutivo, mas também o trabalho migrante, precário, de rua, feminizado, a greve feminista tem permitido repensar, requalificar e relançar outro sentido para a greve geral. A tese seria assim: a greve geral se torna realmente geral quando se torna feminista. Porque ela primeira vez alcança todos os espaços, tarefas e formas de trabalho. Por isso, consegue enraizar-se e territorializar-se sem deixar nada de fora e a partir daí produz generalidade. Abarca cada rincão de trabalho não pago e não reconhecido. Traz à luz cada tarefa invisibilizada e não contabilizada como trabalho. E, ao mesmo tempo que as afirmam como espaços de produção de valor, as conecta em sua relação subordinada com outras formas de trabalho. Assim torna-se visível a cadeia de esforços que traçam um continuum entre a casa, o emprego, a rua e a comunidade. Ao contrário do confinamento a que se quer reduzir os feminismos (a um setor, a uma demanda a uma minoria), assumir que a greve é geral só porque é feminista, é uma vitória e é uma vingança histórica. É uma vitória, porque dizemos que se nós paramos, para o mundo. É, por fim, evidenciar que não há produção sem reprodução. E é uma revanche em relação às formas de greve em que o “geral” era sinônimo de uma parcialidade dominante: trabalho assalariado, masculino, sindicalizado, nacional, que sistematicamente excluía o trabalho não reconhecido pelos salários (e sua ordem colonialpatriarcal).
Como podemos pensar as recentes lutas pela legalização e descriminalização do aborto que atravessaram a América Latina e o mundo no último período frente a um contexto de fortalecimento de narrativas fascistas e retomada de uma agenda neoliberal mais ampla? Verónica Gago – Estou interessada em pensar qual é a relação entre ambas as coisas. Por isso, acredito que podemos entender o momento da fascistização atual em termos de contraofensiva. Quer dizer, constatar uma reação à força demonstrada pelos feminismos na região. É importante observar a sequência: a contraofensiva responde a uma ofensiva, a um movimento anterior. Isso envolve situar a emergência dos feminismos, em seu papel de desestabilização da ordem sexual, de gênero e política e tornando-se um ator-chave na disputa das fragmentações da crise econômica em curso. Acredito que é este movimento que deve localizar-se como anterior em relação à virada fascista subsequente na região, com conexões em nível global. Duas considerações emergem daqui. Em termos metodológicos: localizar a força dos feminismos em primeiro lugar, como força constituinte. Em termos políticos: afirmar que os feminismos colocam em marcha uma ameaça aos poderes estabelecidos e ativam uma dinâmica de desobediência que esses poderes tentam conter, opondo formas de repressão, disciplinamento e controle em várias escalas em um momento em que as relações de acumulação estão instáveis. A contraofensiva, em boa medida sintetizada pela “cruzada contra a ideologia de gênero”, é um chamado à ordem e é a produção de inimigos internos que concentra seu ataque nxs sujeitxs dxs feminismo. Por esta razão, a feroz contraofensiva desencadeada contra os feminismos nos dá uma leitura inversa, ao contrário, da força de insubordinação que se tem percebido como já acontecendo e, ao mesmo tempo, a possibilidade de sua radicalização. Neste sentido, o papel das lutas pela legalização do aborto na Argentina e em toda a América Latina acredito que é fundamental. Mas lembremos também que o “paro” na Polônia, em outubro de 2016, também protestava contra a restrição do direito ao aborto. E, ao mesmo tempo, vemos hoje um retrocesso a esse respeito em vários estados dos Estados Unidos. Em outras palavras, não é apenas uma questão do terceiro mundo. No direito ao aborto, está em jogo o poder masculino e eclesial sobre o corpo de mulheres e os corpos gestantes. Na Argentina, com a maré verde de 2018, temos visto a ampliação do debate sobre o aborto em termos de soberania, autonomia e classe, ao mesmo tempo que tem acontecido uma radicalização militante pelas novas gerações. A luta pelo aborto (e toda a reação conservadora que desperta) evidencia que não há forma de governo que não pressuponha intrinsecamente a subordinação das mulheres como o a priori dessa ordem estruturada por, como diz Carole Pateman, um contrato sexual. Por isso, a discussão leva diretamente a pensar a soberania dos corpos e, em particular, um vínculo interessante que concebe os corpos como territórios, segundo o conceito de corpoterritório lançado pelas feministas da América Central. Simultaneamente, a discussão sobre sua clandestinidade remeteu diretamente à importância dos abortos seguros e gratuitos, uma vez que são os custos que o tornam uma prática diferencialmente arriscada, de acordo com as condições sociais e econômicas. Aqui, como um desenvolvimento também presente no livro, tentou-se inverter a força que assumiu esse argumento classista para repudiar a clandestinidade, e a campanha construída a partir da hierarquia da Igreja Católica dizendo que o aborto é algo “estranho” e “externo” às classes populares; em outras palavras: que é uma preocupação exclusiva da classe média. Há mais uma questão: o debate ultrapassou o marco único do argumento da saúde pública, e do aborto como questão preventiva da gravidez não desejada, para abrir justamente as veias de exploração do desejo. A partir da palavra de ordem “a maternidade será desejada ou não será” até a reivindicação por educação sexual integral no currículo educacional, aprofundaram-se os debates sobre sexualidades, corporalidades, vínculos e afetos que deslocaram a questão de modo também radical. Isso permitiu inclusive variações das palavras de ordem sobre o aborto legal: não apenas no hospital, mas reivindicado também nas redes autônomas que o vêm praticando “em qualquer lugar”; não apenas educação sexual para decidir, mas para descobrir; não apenas contraceptivos para não abortar, mas sim para desfrutar; e não apenas aborto para não para morrer, mas para decidir.
A localização histórica das mulheres na economia reprodutiva e de responsabilidade com a reprodução da vida permitiria explicar as mulheres tornarem-se protagonistas nas lutas recentes, considerando as agendas de cuidados, as novas expressões de violência como o avanço sobre os territórios e a expropriação de bens naturais? Verónica Gago – Sim, acredito que hoje é evidente como a reprodução social da vida aparece retificando e repondo e, ao mesmo tempo, criticando o desmonte da infraestrutura pública e lutando na linha de frente contra as desapropriações dos territórios. Vemos isso tanto nas lutas antiextrativistas pela defesa da água e dos territórios como na maneira em que as economias populares constroem hoje infraestrutura comum para a prestação dos serviços chamados básicos, mas que não são: da saúde à urbanização, da eletricidade à educação, da segurança até os alimentos. Deste modo, eu me concentro no livro em como as economias populares funcionam simultaneamente como tecido reprodutivo e produtivo e, como tais, põem em debate as formas concretas de precarização das existências em todos os planos. É por isso que eles conseguem denunciar o nível de desapropriação nos territórios urbanos e suburbanos, que é o que possibilita novas formas de exploração. Por sua vez, isto implica a implantação de um conflito concreto sobre os modos de entender o território como uma nova fábrica social. Com a contraofensiva econômica atual (que anda junto com a contraofensiva militar e a contraofensiva dos fundamentalismos religiosos) vemos uma característica fundamental do neoliberalismo: o aprofundamento da crise da reprodução social que é sustentada por um aumento do trabalho feminizado que substitui as infraestruturas públicas e permanece envolvida na dinâmica da superexploração. A privatização dos serviços públicos ou a restrição de seu alcance significa que essas tarefas (saúde, cuidados, alimentação etc.) devem ser supridas pelas mulheres e os corpos feminizados como tarefa não remunerada e obrigatória. Nesta chave, acredito que se compreende uma agenda de uma ética de cuidado que vocês mencionam: ampliando a noção de cuidado para além do marco familiar e, ao mesmo tempo, transformando-a em uma ferramenta de valorização das resistências vitais.
Você propõe em seu livro, A razão neoliberal, compreender a “captura” das tramas vitais da produção do cotidiano por uma racionalidade neoliberal, e a partir dessa “captura”, como a produção da vida passa a trabalhar para uma “financeirização” da vida. Como podemos pensar essa produção de subjetividades e de economias barrocas? Verónica Gago – Em A razão neoliberal me propus discutir a noção mesma do neoliberalismo, o modo de historicizá-lo em nossa região, de aprofundar debates teóricos e de traçar genealogias a partir das lutas, dando uma ênfase especial ao que significou na Argentina a crise de 2001. Este interesse surgiu junto com a investigação que realizei durante muitos anos sobre economias populares, as estratégias de trabalho, de comercialização e de politização que daí se desdobram. Daqui também começo a refletir como o neoliberalismo não vem só “desde cima” (governos, corporações e organismos internacionais), mas que se faz persistente justamente porque consegue ler e capturar – ou seja, expropriar – tramas vitais que operam produzindo valor, inventando recursos onde não existem, repondo infraestrutura popular ante a expropriação e criando modos de vida que excedem as fronteiras do capital. Como o neoliberalismo vai metamorfoseando-se em nossos países me parece um ponto-chave, que geralmente fica fora de certas caracterizações mais gerais que “aplicam” o termo chave do neoliberalismo a todo o planeta. Eu me propus entendê-lo e contextualizá-lo a partir de seu desembarque e ensamblagens com situações concretas. Na nossa região, essas situações concretas são os territórios nos quais se cozinhou a revolta popular contra a legitimidade política do neoliberalismo nas crises do início dos anos 2000 a que me referia antes. Aí há uma singularidade porque são essas situações nas quais a exigência popular abre uma temporalidade de revolta que logo se mistura com uma tentativa de reconhecimento e estabilização por cima. São estas “economias barrocas”, como as chamo, que obrigam a pluralizar o neoliberalismo além de suas características mais conhecidas (privatizações, desregulamentação, mercantilização etc.). Aqui situo claramente uma perspectiva que olha para “baixo” para encontrar aquilo que antagoniza, e que arruína, estraga e/ou confronta essa pretensa hegemonia, sem por isso ter um programa “anticapitalista” em termos puros ou precisos, mas que não abandona a luta “contra” os modos de expropriação do capital. Essa zona do “entre”, heterogênea e promíscua, é o que me interessa colocar em foco. Com a questão financeira isto se exaspera, acelera, volta mais intensa. Na América Latina, entender como a dívida extrai valor das economias domésticas, das economias não assalariadas, das economias populares, das economias camponesas, das economias consideradas historicamente não produtivas, permite captar os dispositivos financeiros como verdadeiros mecanismos de colonização da reprodução social. Entendo que a partir daqui podemos ver como funcionam hoje novas formas de extração de valor que exploram trabalhos precários e informais e, ao mesmo tempo, como esses dispositivos de dívida funcionam a partir da moralização das existências desprezadas nas ordens de gênero. Quer dizer, na captura de valor que a dívida pratica, podemos ver uma certa articulação entre reprodução e produção que tem a família heterossexual como núcleo e a superexploração como trama contínua. Com Luci Cavallero temos aprofundado esta investigação fazendo “uma leitura feminista da dívida”, no calor da organização da greve feminista. Temos trabalhado a articulação entre endividamento e trabalho reprodutivo, e também, como a violência machista se faz ainda mais forte com a feminização da pobreza e a falta de autonomia econômica que o endividamento implica. As companheiras da Criação Humana Editora publicaram, esse texto no Brasil, pelo qual esperamos que se converta em uma possibilidade de intercâmbios aqui também.
Você propõe que o neoliberalismo se enraíza nas lógicas comunitárias e isso produz uma experiência de ambivalência na produção do cotidiano, porque a lógica comunitária se opõe à organização macroeconômica. O que poderíamos chamar de resistência nesses contextos? Verónica Gago – Entendo que as dinâmicas comunitárias são um compêndio de saberes, tecnologias e temporalidades históricas que entram em um complexo sistema de relações variáveis com os diversos momentos do capitalismo em suas, também diversas, fases coloniais. Mas, sobretudo, são recursos enormes que se põem em jogo nos protestos, nos movimentos sociais, e também nas formas de economia popular e nas trajetórias migrantes, tanto em sua capacidade de disputar formas de vida com o capitalismo colonial e patriarcal como por abrir espaço em realidades de extrema expropriação e violência. Claro, também há um aproveitamento e uma exploração dessas modalidades comunitárias na medida que se busca compatibilizá-las com as ordens de flexibilidade, precariedade e autogestão da reprodução social como maneira de desresponsabilizar os Estados de certas obrigações. Em todo caso, para pensar essas questões eu trabalho principalmente em diálogo com os textos da socióloga boliviana Silvia Rivera Cusicanqui e com os da matemática mexicana Raquel Gutiérrez Aguilar, as quais, para mim, são fundamentais para compreender e situar uma riqueza comunitária que está em permanente tensão entre a exploração e as reinvenções de um horizonte comunitário-popular, para uma multiplicidade de lutas. Esses debates se cruzam com as dinâmicas ambivalentes de subjetivação na governamentalidade neoliberal e, portanto, complexificam as experiências de resistência e insubordinação, tanto nos momentos cotidianos como nos momentos de desdobramento massivo e coletivo. Aqui também me parecem importantes as reflexões das feministas J. K. Gibson-Graham7 e seu trabalho por visibilizar “economias diversas”. Elas o fazem também derivando de Marx uma noção de diferença. A partir daí põem a ênfase em economias que teriam capacidade prefigurativa, antecipatória, em seus desenvolvimentos no presente como não capitalistas. Trata-se de uma perspectiva que põe em relevo o caráter experimental das economias comunitárias que conseguem abrir e descolonizar a imaginação econômica sobre como representamos as alternativas anticapitalistas e como desconstruir a hegemonia do capital a partir dos espaços, aqui e agora. A diferença age para iluminar a realidade efetiva de práticas que negam o capital. Mas, também buscam dar à noção de diferença um caráter processual e experimental. Sua aposta nos permite pensar as economias diversas desde o devenir: elas argumentam que se tem que “cultivar” o desejo e as subjetividades que habitam esses espaços não capitalistas. Deste modo, entrelaçam uma subjetividade que está por vir, mas que por sua vez se constrói com a materialidade do desejo de outra vida no presente. Isso me parece que é importantíssimo para não seguir idealizando um programa “anticapitalista” puro e perfeito, pronto para ser aplicado e, portanto, sujetxs igualmente purxs e já completxs. Para voltar ao início: acredito que exercícios coletivos como o processo político da greve feminista permitem-nos praticar esse caráter processual e experimental do desejo de transformação de nossas resistências.
A informalidade tem crescido e se transformado na América Latina apresentando contornos a cada dia mais complexos. Que lugar a informalidade ocupa na produção dos territórios? Verónica Gago – A visão dominante sobre a informalidade aponta que se trata de uma economia realizada por pessoas pobres que desenvolvem atividades desorganizadas por fora dos marcos legais (podemos remontar aos anos 1970, quando se produz a incorporação da categoria “economia informal” impulsionada por parte da OIT a partir do trabalho de Keith Hart sobre o Quênia). Parece-me que toda uma série de conceitos e premissas se encadeiam e devem ser criticados: a informalidade como sinônimo de ilegalidade e as assim chamadas economias de subsistência como sinônimo de pobreza. O colonialismo dessas caracterizações é histórico. Creio que há perspectivas, por outro lado, que buscam localizar a quem se desenvolve nas economias populares como parte de uma relação social e laboral específica, na medida em que se trata de uma relação na qual a estrutura dos custos (fiscais, de bens e de capital) é assimétrica com a valorização do trabalho. Funda, neste sentido, um tipo de relação social de exploração que devemos entender com mais profundidade. Por exemplo, como a captação do mais trabalho passa pelo consumo, por uma estrutura fiscal regressiva e por um custo financeiro altíssimo no endividamento do qual falávamos antes. São realidades que emergem frente à desestruturação neoliberal do mundo do trabalho assalariado como modelo capaz de incluir as massas em sua maioria urbanas, e frente ao aprofundamento dos regimes laborais predominantemente flexíveis e desprotegidos no interior desse esquema global. Em termos espaciais, aparecem de modo mais generalizado como uma experiência de bairros marginais ou periféricos das metrópoles latino-americanas e terceiromundistas do chamado Sul Global. São nesses territórios e nessas economias onde se produzem novas imagens da conflitividade trabalhista, mas em uma chave de conflitividade social difusa, ampliando os limites da experiência proletária. Isso quer dizer que essas economias reconceitualizam praticamente o que entendemos por trabalho, enquanto sistematizam formas de trabalho que hoje em nosso continente são majoritárias e que não cabem na categoria de marginais simplesmente por não serem assalariadas de modo estrito. Pensando assim, emergem outras geografias do trabalho que permitem entender os processos de valorização do capital como parte de um processo de colonização em direção a novos territórios que se transformam em espaços de conflito. Claro que um novo tipo e escala de violência está profundamente entrelaçada com as economias populares que todo o tempo trabalham na fronteira (e borrando o limite) entre legalidade e ilegalidade. É justamente a regulação e gestão permanente dessas fronteiras que ficam a cargo das novas “forças” paramilitares, paraestatais etc. Essas violências se moldam em uma dimensão territorial específica. A conflitiva ocupação da terra em áreas urbanas e suburbanas dos últimos anos (que aumenta os conflitos nos territórios camponeses de longa data intensificados pela voracidade do agronegócio) tem assumido uma escala de violência e complexidade que está diretamente vinculada à multiplicação de atores que envolve a especulação imobiliária e que assume modalidades que são ao mesmo tempo formal e informal, legal ou ilegal.
Da época do lançamento de A razão neoliberal até hoje o contexto político e econômico mudou: vemos uma ofensiva ultraconservadora na América Latina e no mundo, um processo articulado e sistêmico. Como localizar as elaborações que você traz no livro para ler este momento? Verónica Gago – A situação no Brasil com o assassinato de Marielle Franco e o triunfo de Bolsonaro tem levado a pergunta sobre o neoliberalismo mais longe: como se está relançando a acumulação neoliberal em aliança com o fascismo com formas extremas de racismo, sexismo e classismo? O neoliberalismo necessita agora aliar-se com forças conservadoras retrógradas porque a desestabilização das autoridades patriarcais põe em risco a própria acumulação do capital. Diríamos assim: o capital é extremamente consciente de sua acumulação orgânica com o colonialismo e o patriarcado para reproduzir-se como relação de obediência. Uma vez que a fábrica e a família heteropatriarcal (mesmo que imaginários) não consigam sustentar disciplinas e uma vez que o controle de segurança é desafiado por formas feministas de gestar a interdependência em épocas de precariedade existencial, a contraofensiva se redobra. Por isso, tem que introduzir em nossa atualidade outra “cena” que abre novas leituras dinâmicas do neoliberalismo. Refiro-me ao movimento feminista que nos últimos anos tem tomado as ruas de modo massivo e radical e que tem transbordado os limites nacionais impulsionando um movimento verdadeiramente internacionalista e cujas ressonâncias fundamentais se enlaçam na América Latina, o melhor: em Abya Yala, traçando novas temporalidades e geografias. Assim, vemos muito claramente por que neoliberalismo e conservadorismo compartilham objetivos estratégicos de normalização. Claro que isso não é uma novidade na América Latina. Aqui, a origem do neoliberalismo é indiscriminadamente violenta. São as ditaduras que vieram reprimir um ciclo de lutas trabalhistas, estudantis e de bairros que marcam seu início. Como princípio do método e como perspectiva desse continente, portanto, é necessário sublinhar a emergência do neoliberalismo como resposta a certas lutas. Por isso, o neoliberalismo se apresenta como um regime de existência do social e um modo do comando político instalado regionalmente, com o massacre estatal e paraestatal da insurgência popular e armada, e consolidado nas décadas seguintes a partir de grandes reformas estruturais, de acordo com a lógica de ajuste de políticas globais. Com isso, quero dizer que a conjunção do neoliberalismo e do fascismo tem, na América Latina, um arquivo-chave. Creio que esse ponto permite, como mencionava, colocar outra perspectiva à ideia de “novidade” de um neoliberalismo que tem deixado sua roupagem liberal e inclusive progressista para conectar sua atualidade com a experiência originária em certas regiões (sem dúvidas, terceiro-mundistas) do mundo.
Esse seminário internacional se propõe a construir uma leitura a partir de quatro preocupações: o extrativismo ampliado, o sistema financeiro, as economias populares e o futuro do trabalho, e apontar caminhos. Quais estratégias são possíveis para essa articulação feminista dentro do contexto que estamos vivendo? Verónica Gago – O movimento feminista a partir da sua multiplicidade (feminismos populares, villeros, indígenas, comunitários, negros, queer, trans) tem desbloqueado uma articulação por baixo das conflitividades e das lutas. Mas isso não é fácil: hoje assume uma multiplicidade de violências articuladas e incrementadas que irrompem nos corpos e nos lares, nos territórios urbanos e rurais e nos locais de trabalho, nas camas e nas fronteiras. E o faz produzindo um diagnóstico feminista dessa conflitividade – que inclui desapropriações e feminicídios, exploração e endividamento, racismo e abusos – baseado em lutas concretas, o qual conecta e enlaça a dor de cada uma com um corpo-território mais amplo. Como dizia antes: por que o movimento feminista politiza de maneira nova e radical a crise da reprodução social como crises, ao mesmo tempo, civilizatória e da estrutura patriarcal da sociedade, o impulso fascista que se põe em marcha para enfrentá-lo propõe economias da obediência para canalizar a crise. Seja pelo lado dos fundamentalismos religiosos ou pelo lado da construção paranoica de um novo inimigo interno, o que constatamos é uma tentativa de aterrorizar as forças de desestabilização arraigadas em um feminismo que tem ultrapassado as fronteiras e é capaz de produzir um código comum entre lutas diversas. O movimento feminista, tomando também as finanças como um terreno de luta contra o empobrecimento generalizado, pratica uma contrapedagogia a respeito de sua violência e suas formas abstratas de exploração dos corpos e dos territórios. Tudo isso nos dá, outra vez, uma possibilidade mais ampla e complexa de entender o que diagnosticamos da aliança do neoliberalismo com as forças conservadoras que se expressam como violências que tomam os corpos feminizados como novos territórios de conquista. Por isso, é necessário animar a crítica ao neoliberalismo como um gesto feminista sobre a maquinaria da dívida – como dispositivo generalizado de exploração financeira -, porque é também apontar contra a maquinaria neoliberal da culpabilização, sustentada pela moral heteropatriarcal e pela exploração de nossas forças vitais. O movimento feminista atual repõe a chave antineoliberal como antagonismo. Por isso mesmo reabre a dinâmica que redefine o neoliberalismo “desde baixo” em termos de seu confronto corpo a corpo. A razão neoliberal se opõe hoje a uma potência feminista (que é a sensibilidade, modo de cálculo, estratégia e produção de sentido): isto é, um modo de pensar, fazer, lutar e desejar que ultrapassa a opção imposta entre ser vítima ou empreendedora (ambas opções de subjetivação do catálogo neoliberal). Por isso mesmo, porque se mete na trincheira cotidiana de disputa com o capital e com os modos renovados de exploração e extração de valor, o movimento feminista atual recebe uma contraofensiva feroz: militar, financeira e religiosa. Estamos precisamente nessa luta agora: não nos deixando expropriar pelo neoliberalismo aliado com o fascismo, com dinâmicas feministas que, juntas, se responsabilizam “desde baixo” por abrir novas possibilidades vitais para todes.
Mônica Vilaça é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba, na linha de Trabalho, Políticas Sociais e Desenvolvimento. E-mail: [email protected]
Bárbara Freitas é mestre em Estudos Interdisciplinares em gênero, mulheres e feminismo, PPGNeim – Universidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected]
Quando a pesquisadora e docente da Universidade de Buenos Aires, Verónica Gago, fala da reprodução social como um território de politização e luta, que tem o potencial de desmantelar – ou ao menos questionar – as dinâmicas abusivas instauradas na América Latina pelo modelo neoliberal, sua analise é pontual e concreta; a reprodução social se refere a todas aquelas atividades, ações, relações, serviços, instâncias e infraestruturas necessárias para o desenvolvimento da vida ou, como diz o nome do conceito, para a reprodução de tal. Às vezes, como explica a especialista, esquecemos que a vida não acontece automaticamente e que o trabalho – porque é trabalho – requer esforços e condições favoráveis para que seja realizado. É justamente nos momentos de crise, como o que vivemos hoje, que voltamos a nos concientizar a respeito da ideia de que a reprodução social, algo que em outros momentos parecia óbvio e fortuito, não é minimamente garantido e não acontece de forma alguma automaticamente.
Para que se realize, pelo contrário, se requer certas garantias e direitos básicos que na atualidade tem sido privatizados e transformados em terreno férteis para negócio. “O conceito de reprodução social nos serve para evidenciar a profundidade da crise atual. O fato de as atividades de reprodução social não serem óbvias nem asseguradas, mas são um campo de valorização e concentração empresarial do capital, nos dá uma característica histórica desse momento”, reflete.
É esse o debate que tem sido aberto nesses últimos tempos nos países da região, especialmente naqueles em que os indicadores tradicionais utilizados para demonstrar o desempenho econômico (que durante muito tempo mostraram ser exitosos) contrastam com a realidade que vivem os setores de média e baixa renda, totalmente precarizados.
No Chile, em particular, esse segmento – que tem superado a linha da pobreza, mas que vive endividada – alcança 43% da população, da qual 44% são mulheres chefes do lar. Para esse segmento, a promessa neoliberal não foi cumprida. E é isso que está em questão hoje: como se reproduz a vida se não estão garantidos os elementos básicos que permitem a realização harmoniosa e digna de nossas necessidades vitais? “Durante muito tempo se pensou que o salário bastava para reproduzir a vida, mas em momentos de crise vemos que isso não é suficiente para realizar nossas atividades diárias ou ter os recursos essenciais para o bem-estar”, explica Gago.
É aí, como ela aprofunda, que convergem feminismo e reprodução social, porque são as lutas feministas que têm tematizado esse conjunto de atividades. “O que os feminismos fazem é colocar a reprodução social como campo de luta e, portanto, também mostrar quem hoje está colocando seus corpos para que essa reprodução, em condições críticas, possa ser realizada. É uma relação ambivalente; Por um lado, questionam os mandatos de gênero que fazem das mulheres as responsáveis por garantir a reprodução social, mas, ao mesmo tempo, mostram que esse trabalho é fundamental para garantir a vida coletiva e comunitária”.
Gago, recentemente convidada a Cátedra Norbert Lechner, organizada pela Universidade Diego Portales, sustenta que são os movimentos feministas os que deram dignidade política às lutas da reprodução social, que durante muito tempo se delinearam como causas subsidiárias à grande luta salarial. “O neoliberalismo quer se vender como uma espécie de pacificação das energias sociais, em que é antes a energia empresarial que organiza o social. E acredito que o feminismo, sendo um dos movimentos mais relevantes atualmente, vem dizendo que o neoliberalismo é violento e que a violência patriarcal também é neoliberal.”
Você fala que os movimentos feministas transferiram a noção de violência a outra dimensão, reformulando até mesmo os valores de vítima e poder.
São os movimentos feministas que estão fazendo uma caracterização da violência que não fica só dentro de casa e que não é lida em termos de violência intrapessoal, mas sim relaciona o que acontece nas casas com outras formas de violência estrutural e de lugares lares como um dos terminais privilegiados dessa violência. Mas não o confina apenas entre as quatro paredes. Isso dá um caráter político à violência e à exploração que ocorre dentro de casa e desprivatiza essas dinâmicas. Desprivatiza o trabalho gratuito que se faz em casa e na vizinhança e expõe a violência como forma de exploração de corpos e territórios.
Esse é outro dos poderes dos feminismos atuais; sua capacidade de articular e entrelaçar diversas lutas, que são por território, natureza, moradia, por serviços sociais, por educação sexual integral e educação gratuita. Em outras palavras, o movimento construiu uma matriz de compreensão que faz com que todas essas lutas se conectem e ao mesmo tempo se mostrem como lutas contra a violência sistêmica.
Soma-se a isso o fato de que os movimentos feministas revelam as nuances da narrativa de vítima e mulher empoderada. Por um lado, a história da vítima permite ao poder ditar quais são as boas vítimas, as que são credíveis, porque nem todas são. E, por sua vez, como não cair no discurso contrário, empoderado, da empresária de si mesma. Aí está a armadilha.
Por isso é tão importante pensar como se desarma concretamente essa dinâmica, que inclui duas posições muito cômodas ao neoliberalismo. São as únicas duas posições que nos são oferecidas. Acredito que, pelo mesmo motivo, o movimento feminista está mostrando as outras experiências que estamos produzindo para entender a violência e ao mesmo tempo gerando possibilidades de enfrentamento e também de acompanhamento, luto e contenção. Integrar essas duas dimensões, a da luta e a da dor, é intolerável para a oferta neoliberal. Porque justamente quando aceitamos ser vítimas parece que abrimos mão de nossa capacidade de desejar e lutar, e quando aceitamos apenas ser empoderadas, estamos negando a violência sistêmica. É uma dupla que tem que ser desmontada porque funcionam juntas.
Além disso, são duas posições que partem de uma ideia de indivíduo fechado em si mesmo e a partir do feminismo estão sendo feitas experimentações pessoais e coletivas para ver que outras posições subjetivas existem, posições capazes de combinar luta e dor, que são capazes de combinar a necessidade de autonomia econômica sem que este seja um discurso capturado pelo neoliberal.
Os feminismos populares que tem problematizado essas dinámicas da reprodução social e que propõem dinâmicas organizadas e colaborativas surgem como uma forma de resistência ao modelo atual?
As crises facilitam certa criatividade política e também a autogestão e reapropriação de funções. Acredito que a reprodução social é um território de experimentação em que os movimentos feministas tem tornado possível evidenciar as carências e por sua vez propor outros modelos de organização. Porque o que está em disputa agora é de que maneira, a partir da organização da reprodução social, organizamos a política. Acredito que ao politizar esse terreno, as lutas feministas estão colocando a pergunta do que significa transformar a vida cotidiana e a partir daí, todo o resto.
Você fala do patriarcado do salário. Como você o explica?
É um conceito de Silvia Federici, que postula que o salário não é apenas uma soma de dinheiro, mas uma ferramenta política. É o que permite dividir a classe trabalhadora entre assalariada e não assalariada; nesse sentido, es trabalhadores que não recebem salário muitas vezes não conseguem reconhecer sua força de trabalho tampouco seu trabalho em si. Isso se aplica aos trabalhadores do campo, que não cobram salario, e também para as mulheres, com o trabalho doméstico e de cuidados. Ao não receber um salario, ficam automaticamente subjugadas aqueles que sim cobram salario e instaura-se uma hierarquia de ordem sexual dentro dos lares. O cenário mais extremo disso é quando, por falta de autonomia econômica, as mulheres permanecem fixadas em situações de subordinação e abuso.
Em países latinoamericanos nos quais foram privatizados os direitos fundamentais que são necessários para viver… A dívida se transformou em uma obrigação?
Em países onde as coisas básicas têm que ser compradas, há uma financeirização da reprodução social, e isso significa que para viver precisamos nos endividar. A dívida não é mais uma exceção em emergências, é uma obrigação. A dívida é hoje aquela que organiza e possibilita a reprodução social, é o que permite uma invasão por parte do sistema financeiro na vida de todas as pessoas. Ao mesmo tempo, é uma forma de amortecer a precariedade, porque quando nos endividamos, assumimos que a renda que temos não é suficiente, mas ao invés de gerar raiva e pensar em como podemos exigir mais renda, o que fazemos é assumir responsabilidade de uma dívida e se sentir culpado. Para sair desse ciclo, nos endividamos porque, no final das contas, é isso que torna a precariedade mais “habitável”. Isso, em determinado momento, é insustentável, insuportável e finalmente explode, emocionalmente, afetivamente, o corpo se manifesta com dor e doença e depois explode socialmente. É por isso que existem surtos em nossos países.
No Chile explodiu. Inclusive se começou a falar em saúde mental e que esse modelo nos deixou todes mergulhades na depressão. Uma mudança estrutural era realmente desejada?
Acredito que sim. E a mudança acontece, o que acontece é que ela leva tempo e aos poucos se traduz em diferentes temporalidades e dimensões de transformação. Se pensarmos em termos processuais, fica difícil condensar que todo esse processo político foi anulado por um resultado. Não estou dizendo que o resultado do Plebiscito não seja extremamente importante, na verdade ele abre muitas questões e debates que devem ser enfrentados. Mas não é necessário fechar um processo em relação a um resultado. Hoje temos que pensar que tipo de estratégias as organizações, movimentos, dinâmicas sociais e políticas estão tomando. E não se pode negar que há uma mudança importante nos tipos de discussões públicas sobre o que é o neoliberalismo, a necessidade de recursos, infraestrutura e direitos sociais. Há também uma pergunta que permanece aberta e é “o que significa hoje enfrentar as formas de re-colonização de nosso continente?”. O interessante é que nossa região está permanentemente em movimento a respeito dessas questões. Não há pacificação na América Latina.