“Foi ele (Bolsonaro) que matou”, denuncia Davi Kopenawa

Para o maior líder do povo Yanomami, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é o grande responsável pelo agravamento da tragédia humanitária que atinge o seu povo e ele deve ser preso pelo crime de genocídio (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real).

 O maior líder do povo Yanomami, Davi Kopenawa, de 66 anos, atendeu à equipe da Amazônia Real para uma entrevista exclusiva na segunda-feira (23). Com a agenda cheia de compromissos e reuniões com outras lideranças e apoiadores das pautas do povo da floresta, ele reservou cerca de 40 minutos para uma conversa franca e direta. O xamã Yanomami revelou estar irritado e triste por ter de tratar dos problemas por ele denunciados há décadas. Àquela altura do dia, o mundo voltava os olhos para o seu povo, com ofertas de socorro emergencial, visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e até uma tentativa política de encontrar culpados para a tragédia humanitária, há tempos denunciada pelos Yanomami. Mas para Davi não há dúvidas: o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é responsável pelo genocídio do seu povo. 

“Quem matou o meu parente, meus irmãos, minha família, foi o [ex-]presidente Jair Bolsonaro. Nos quatro anos que ele ficou junto com os garimpeiros levou a doença, coronavírus, malária, gripe, disenteria, verminose e outras doenças. Foi ele que matou. Ele matou e foi embora. Se não tivesse matado, estava aqui junto com nós”, resumiu. Davi Kopenawa, na entrevista, pediu a prisão do político que continua nos Estados Unidos desde 31 de dezembro de 2022. 

Não restam dúvidas de que o governo Lula quer encontrar meios de enquadrar Bolsonaro por algum crime, preferencialmente algum que o tire do jogo político. O crime de genocício e omissão de socorro para o povo Yanomami é um deles.

É na Terra Indígena Yanomami (TIY) o único caso de genocídio julgado no Brasil pelos assassinatos de 16 indígenas por garimpeiros, em 1993. Antes, em 1990,  o governo de Fernando Collor demarcou o território e delegou ações para retirar 40 mil garimpeiros. A TIY foi homologada com 9,4 milhões de hectares, em 1992, com limites entre os estados do Amazonas e Roraima com a Venezuela. Mas a tragédia do massacre nunca foi superada pelo povo.

Com a entrada de Jair Bolsonaro na Presidência da República em 2019, iniciou na terra indígena uma nova corrida ao ouro e cassiterita (estanho) com aval de ações pró-garimpo pelo governo da extrema-direita. Estima-se que de 20 a 30 mil garimpeiros invadiram o território, que tem uma população de 30.400 indígenas e 386 comunidades. 

Com a liberação do garimpo na terra indígena veio o pior: os narcotraficantes passaram a lavar dinheiro do tráfico com a venda do ouro na TI Yanomami. Os criminosos, segundo a Hutukara, levam além de doenças, drogas, álcool e armas para as comunidades. 

Para o presidente da Hutukara Associação Yanomami está mais que provado que Bolsonaro é o culpado pela expansão do garimpo ilegal na Amazônia. Davi Kopenawa chama de “ouro do sangue Yanomami” a exploração predatória do minério em sua terra indígena. 

Lula, na visita a Roraima no último sábado (21), prometeu novamente tirar os garimpeiros das áreas indígenas e, em particular, da TI Yanomami. O documento com as ações para a desintrusão deve ser apresentado em 45 dias. Autoridades e órgãos que se mantiveram em silêncio nos últimos quatro anos, sob os governos de Bolsonaro (federal) e Antonio Denarium (estadual), demonstram agora interesse em enfrentar a tragédia humanitária. Mas o pedido de socorro não é recente, segundo a própria Hutukara.

“Há quase quatro anos a Hutukara vem fazendo campanha Fora Garimpo, Fora Covid. Chamamos a atenção do Estado brasileiro e, principalmente, da sociedade brasileira, chamamos a atenção do mundo inteiro. O governo passado [do Bolsonaro] sequer nos atendeu em Brasília. Então, essa é uma situação que está acontecendo e nós já avisamos há muito tempo. Então nós fizemos o nosso trabalho de documentar, fizemos relatório, as mortes estavam crescendo em 2019”, disse Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, que estava presente na entrevista com seu pai, Davi Kopenawa.

Estratégia de enfraquecimento

Para Dário, houve uma estratégia deliberada por Bolsonaro para enfraquecer a saúde dos indígenas, seja desmantelando a rede de saúde pública, aparelhando os órgãos de assistência e fiscalização, facilitando e estimulando o ingresso de não-indígenas nos territórios, levando mais doenças para dentro das aldeias. E, afirma ele, houve ainda liberações de decretos de exploração de garimpo ilegal, de mineração e também de exploração de madeiras nas terras indígenas. 

“Ele [Bolsonaro] apoiou empresários, compradores de ouro, compradores de exportação de madeira e soja. São os ricos que apoiou para comprar mais maquinários, mais mercúrio, apoiou facções, crime organizado. Empurrou todos para enfraquecer a situação do povo Yanomami, dos povos indígenas.” 

A organização indígena tem um dossiê com todos os documentos enviados ao governo federal e outras autoridades para evitar as mortes dos Yanomami. O Ministério Público Federal (MPF) se manifestou publicamente na noite de segunda-feira (23).

“A grave situação de saúde e segurança alimentar sofrida pelos povos Yanomami resulta da omissão do Estado brasileiro em assegurar a proteção de suas terras”, diz trecho da nota pública. Diante de outro momento político no Brasil, o MPF cita ainda no documento, abertamente, que fez cobranças ao governo federal entre 2019 e 2022. A instituição acrescenta que “as providências adotadas pelo governo federal foram limitadas”.

A Amazônia Real vem narrando o drama do povo Yanomami, que a cada história seguia contornos dramáticos. A saída de indígenas das comunidades em direção às ruas da capital em busca de alimentos e tratamentos de saúde era uma dessas situações degradantes e de insegurança. Em novembro de 2022, uma indígena Yanomami foi assassinada com dois tiros na cabeça. O crime segue sem solução. Meses antes, em abril, uma menina do mesmo povo foi estuprada e morta por garimpeiros dentro do território Yanomami.

Além de contaminarem os rios com o mercúrio despejado nas águas durante a extração criminosa do ouro, o que provoca a morte de peixes, a mata com plantas frutíferas e os animais que vivem nesses habitats desaparecem com a derrubada da floresta amazônica.

“Os garimpeiros que usam nossas índias estão doentes e você sabe que o garimpeiro carrega a doença no corpo dele, gonorreia, aids e outras doenças que o pessoal morre na cidade. Isso aconteceu e está acontecendo até hoje”, denuncia Davi. 

Leis pró-garimpo

Enquanto ONGs e outras instituições se organizam para arrecadar alimentos para enviar às comunidades indígenas mais afetadas pela desnutrição extrema, agravada com as infecções tratáveis, políticos locais que fecharam os olhos nos últimos anos, fogem da responsabilização. O governador Denarium (PP) é um bolsonarista declarado e apoiador de garimpeiros que chegou a criar e sancionar leis, com o apoio dos deputados estaduais, que beneficiam os criminosos. 

No texto mais recente, de julho do ano passado, ficou proibida a destruição de máquinas e outros equipamentos de garimpeiros apreendidos em operações e fiscalizações. O MPF avaliou como inconstitucional a Lei Estadual 1701/2022 “na medida em que tenta esvaziar os instrumentos de fiscalização ambiental previstos em legislação federal”.

O senador Mecias de Jesus (Republicanos) apoiador de Bolsonaro e aliado da senadora eleita Damares Alves (Republicanos) e do ex-vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) indicou os três últimos coordenadores do Dsei Yanomami. A última indicação foi Ramsés Almeida da Silva, ex-vereador de Mucajaí (RR) filiado ao partido Republicanos que é presidido no estado por Mecias. 

Ramsés teve uma gestão marcada por omissão à saúde indígena. Ele recebeu uma carta da Hutukara relatando o agravamento na TIY, mas nada fez para solucionar o problema. 

“Os relatos nos trazem situações dramáticas e parecidas de diferentes regiões da TI Yanomami. Não é novidade que a situação de saúde nos últimos anos foi ficando mais precária. As lideranças se perguntam quais foram as medidas tomadas pelo Dsei-Y, pois as queixas manifestam situações análogas àquelas denunciadas em 2021. Nos últimos 3 anos a situação de saúde mostra o descaso e o abandono por parte do poder público”.

Aumento de doenças, falta de remédios, de profissionais e assistência para retirada de indígenas enfermos também estão no documento. “Nesses últimos 9 meses, nos postos de saúde que estão em nossa terra, não vimos Albendazol, um medicamento barato e básico para tratamento de verminoses, neste Dsei que possui menos de 10% das comunidades com acesso à água potável por poços artesianos e outros sistemas de acesso à água. Isso, constatamos em Maturacá, no Marauiá e em muitas outras regiões”, afirma o documento.

Maturacá e Maraiuá são regiões do território Yanomami que ficam no Amazonas, na região do Alto Rio Negro, onde o garimpo ilegal é inexistente. Em julho do ano passado, o líder Zé Gadilha Yanomami, que integra a Associação Yanomami Kurikama, liderou um protesto contra Ramsés Almeida, coordenador do Dsei-Y, órgão do Ministério da Saúde. Ele denunciou mortes de crianças por falta de medicamentos e desnutrição. “Queremos uma coordenação organizada, chega da gente morrer em área (nos postos de saúde). A desnutrição está muito alta! Queremos o acompanhamento de nutricionista. A Sesai recebe muito dinheiro, cadê o investimento?”

Recursos desviados

O uso dos povos originários para fins políticos é denunciado por profissionais da saúde que passaram pelo distrito sanitário. “Não faltam recursos no Dsei-Y, faltam pessoas capacitadas com conhecimento logísticos e da própria Amazônia”, disse um trabalhador da saúde que passou 11 anos no órgão. “Ocorre um desmonte no Dsei-Y, os próprios trabalhadores da saúde não têm condições de trabalhar, por falta de equipamentos, remédios e assistência logística como voos de retirada. Falta gestão e seriedade. Fazer saúde é sério e deve-se pensar com coletividade”, diz Tony Gino Rodrigues, técnico em enfermagem. 

Em novembro, a Polícia Federal deflagrou a operação Yoasi contra a fraude na compra de remédios destinados ao Dsei-Y. Segundo as investigações, mais de 10 mil crianças ficaram sem medicamentos. Os apontados como responsáveis são os dois ex-coordenadores do distrito sanitário, Rômulo Pinheiro e Ramsés Almeida, ambos indicados pelo senador Mecias de Jesus. 

Investigado pela Polícia Federal por acusação de desvio de verbas para medicamentos, Ramsés Almeida foi exonerado pelo governo Bolsonaro em novembro de 2022, mas o Ministério da Saúde não decretou a intervenção no Dsei-Y, contrariando recomendação do MPF.

Dário Kopenawa afirma que o povo Yanomami é capaz de trabalhar em cooperação com os órgãos oficiais, lembrando que na época da CCPY [Comissão pela Criação do Parque Yanomami] foram alocados quase 70 profissionais. “Zerou a  malária e aumentou a população de 15, 16, 17 mil. Aumentou porque uma equipe estava trabalhando e várias instituições não-governamentais apoiaram naquela crise sanitária”, afirma. 

Para o presidente da Hutukara, mesmo após a retomada de órgãos como a Funasa (agora incorporada ao Ministério da Saúde) e os distritos sanitários voltados para os povos indígenas, a ingerência externa acabou por deteriorar a assistência. “Cada vez estava piorando. Dentro do distrito tinham interferências de políticos locais como senadores, deputados federais, estava tendo desvio de recursos”, diz.

Crianças e idosos afetados

Crianças e idosos são os mais afetados pelas doenças na TI Yanomami, por causa do sistema imunológico ainda em desenvolvimento ou em fragilidade. Conforme o  vice-presidente da Hutukara, Dário Kopenawa, a escassez dos recursos naturais da floresta deixam o seu povo mais vulnerável e suscetível às doenças. 

“Eu poderia falar onde não tem garimpo, que é no estado do Amazonas. Lá as crianças estão saudáveis, tem comida, tem banana, tem macaxeira, tem frutas e, os pais, as mães estão se alimentando junto dos seus filhos”, afirma o líder indígena Davi Kopenawa, que culpa o garimpo ilegal pelo esgotamento dos recursos naturais em Roraima.

Diante das imagens que chocaram o mundo com crianças e idosos, ONGs e instituições se organizam para doar alimentos. “A minha opinião é diferente. Isso pode ajudar um pouco, mas não é efetiva para salvar a população. Essas cestas básicas não vão ajudar. Cesta básica é só para fome, duas ou três semanas e depois acaba. O que vai ajudar é uma desintrusão do garimpo ilegal. Esse é o ponto mais importante para salvar a população Yanomami. Para salvar as crianças tem que retirar os garimpeiros”, disse Dário. “O garimpo estragou nossa saúde, então o governo tem o dever e a responsabilidade de cuidar das crianças que estão precisando”.

Mesmo que seja possível retirar todos os invasores, as lideranças dizem que é preciso ampliar a assistência de qualidade, com remédios e equipamentos, profissionais capacitados em combater doenças na população indígena. (Colaborou Kátia Brasil)

*Matéria originalmente publicada na Amazônia Real e realizada pelo jornalista Felipe Medeiros.

Colonização, identidade e o que fazer do futuro, por Eduardo Leal Cunha

Em  Modernidade e identidade , de Anthony Giddens, encontramos a expressão “colonização do futuro”, com a qual o sociólogo britânico procura descrever como a construção de uma narrativa reflexiva do eu, que teça laços entre o presente, nosso passado e um projeto de futuro, nos proporciona segurança ontológica e reduz nossa sensação de risco, frente ao que está por vir, na medida em que nos dá a impressão de que acontecimentos futuros podem ser previstos ou mesmo controlados. [1]

Interessa-nos aí a articulação de duas categorias centrais da nossa experiência moderna: o colonialismo e a identidade. 

Evidentemente, podemos tomar tal aproximação entre colonização e identidade como base em uma história de algum modo compartilhada, afinal, o sociólogo britânico apresenta a identidade como principal elemento do que poderíamos descrever como experiência subjetiva moderna. Ou seja: o modo como incidiram, sobre a relação do sujeito consigo mesmo e com o mundo à sua volta, as grandes transformações da modernidade: a consolidação do modo de produção capitalista, as revoluções burguesa e industrial, a constituição dos estados nacionais, o mercantilismo e, por fim, a expansão colonial.

Mas, a expressão “colonização do futuro” pode nos servir para destacar que o colonizar e a colonização aparecem como forma de relação com o que nos é desconhecido, mais especificamente, como forma de domínio daquilo que, por nos ser ininteligível, parece imprevisível, incontrolável; o que pode se aplicar tanto a algo abstrato, como o “futuro”, ou tão concreto, quanto o território africano, ou, simplesmente humanos, aqueles que foram descritos, inclusive por Freud, como “povos primitivos.” 

Neste sentido, a colonização, ou colonialidade, como nos propõem os autores do giro decolonial latino-americano, [2]  deve ser pensada como elemento central da nossa experiência moderna, ou, mais precisamente, da racionalidade que a sustenta. 

Há certamente outros nomes e outras maneiras de compreender esse modo de pensar que organiza nossa relação com o mundo, a partir das ideias de controle e de domínio, de sujeição, estruturando assim nosso agir. Razão instrumental, ou mesmo esclarecimento, [3]  é um deles, mas o que a referência à colonização nos traz, de modo absolutamente explícito ao longo da sua história, é que essa forma de relação com o outro se funda na violência e na dominação, deixa marcas e, paradoxalmente, ao mesmo tempo em que pretende transformar o mundo, opera a cristalização de formas já existentes e impede a irrupção do novo.

Mas o que significa tomar a colonialidade como modo de pensar, ou mais precisamente, como regime de inteligibilidade hegemônico em nossa experiência moderna e, mais do que isso, como forma privilegiada de relação com a alteridade? Lembrando que isso significa dizer, em última instância, que ela também nos impõe formas e limites para nosso investimento libidinal , para nosso gozo.

Talvez, a partir daí, possamos entender por que,  há muito, sabemos dos efeitos cruéis da colonização e, no entanto, tantas vezes ainda nos surpreendemos capturados em sua lógica. Compreender, também,  por que podemos, com relativa facilidade, enxergar a colonização como estado de dominação – no qual as relações de poder se encontram cristalizadas e as posições fixadas, à custa de mais ou menos coerção – e, às vezes, não enxergamos a colonialidade, a razão colonial em ação, quando hierarquias são naturalizadas ou quando o discurso dominante se converte em mito, em verdades autoevidentes, com as quais nunca somos confrontados: como a associação entre o masculino, a razão e a violência; ou entre o feminino, o mistério, a emoção e a fragilidade; ou entre o homossexual e o desvio moral ou imaturidade psicológica; como a imagem do soldado negro saudando a bandeira francesa. [4]

Uma dessas formas centrais de naturalização da colonialidade, no mundo contemporâneo, se faz visível como forma de enquadre, não exatamente do mundo à nossa volta, mas do humano que o habita. Podemos chamá-la de  lógica ou  racionalidade identitária . Desse modo, o vínculo entre colonização e identidade, que tomamos como ponto de partida, nos serve para pensar como tal racionalidade colonial ainda incide cotidianamente sobre a nossa relação com o outro e, também, com nosso próprio eu, como, aliás, indica a formulação de Giddens. 

Marca essa lógica identitária principalmente a atribuição ao outro de traços definidores que não apenas lhe atribuem consistência, integridade e permanência no tempo, [5]  mas o inserem em uma rede de círculos de pertencimento – excluindo-o simultaneamente de outras possibilidades – e o localizam em territórios determinados, nos quais lhe é permitido viver e circular, como as próprias noções de identidade nacional e de etnia mostram com clareza. [6]

Um dos efeitos perversos do que podemos denominar  colonização identitária é  a demarcação de limites identificatórios que não apenas restringem nossas possibilidades de existência, mas colocam o outro, o estrangeiro – tome este a forma do negro, do migrante ou do desviante sexual ou dissidente de gênero – para além desses limites. Dessa maneira, situamos o outro em um território para além das minhas possibilidades de identificação e ele pode, assim, ser percebido como objeto, coisa.

Ao mesmo tempo, o fato de não podermos nos identificar com determinadas experiências ou situações nos faz isolarmo-nos em um campo limitado de experiências. Leva-nos, por exemplo, nós brancos, a desmentir nossa própria racialização, nossa inclusão na divisão racial da sociedade, naquilo que denominamos, hoje, racismo estrutural, para o qual não há fora possível, produzindo o que Robin DiAngelo denomina  fragilidade branca , uma série de desconfortos e de reações defensivas, cada vez que somos colocados frente à nossa radical inclusão na lógica racista que sustenta grande parte da nossa visão de mundo e dos nossos privilégios. [7]

Por tudo isso, um equívoco central a certas críticas aos ditos movimentos identitários, ou ao que se denomina genérica e pejorativamente de  identitarismo , é ignorar completamente a genealogia da identidade e o seu estabelecimento, não apenas como modo principal de posicionamento de indivíduo e de grupos na sociedade, mas como forma hegemônica de relação consigo mesmo, diretamente articulados às transformações políticas da modernidade e a esta racionalidade que aqui procuramos referir à relação colonial.

Estas críticas estão corretas ao apontar o vínculo necessário entre identidade e segregação, entre pertencimento e exclusão, mas omitem o fato de que a identidade é, em grande medida, para voltar à nossa ponderação inicial, uma estratégia fundamentalmente colonial, uma forma de sujeição do outro ao regime de inteligibilidade hegemônico e que está diretamente associado a dispositivos de poder. 

Não foram os grupos minorizados que a instalaram no centro da nossa percepção do mundo ou do outro nem no núcleo da nossa experiência sociopolítica e é por isso que as lutas identitárias precisam ser vistas, sobretudo, como operações de resistência e subversão, ainda que baseadas na apropriação estratégica de atributos, de modo a garantir reconhecimento e lutar contra a injustiça social. Mesmo que tal estratégia mostre cada vez mais seus limites, é essa a forma de luta que se tornou necessária, senão inevitável, a partir do momento em que as identidades se tornaram não apenas “um prisma através do qual os outros aspectos da vida contemporânea são compreendidos e examinados”, [8]  mas um elemento central do cálculo e da luta política.

Por outro lado, se a identidade é a forma hegemônica de subjetivação, desde a modernidade, e sua racionalidade parece estreitamente associada à colonialidade, pensar novas formas de relação consigo mesmo implica a necessidade de outro modo de ocupação do mundo e da natureza, de relação com territórios e populações, que não seja a colonização; implica, portanto, imaginar novas epistemologias, inclusive aquelas que regulam nossa percepção do humano e definem suas fronteiras.

Neste sentido, descolonizar envolve, antes de tudo, des-identificar, pois “não se pode levar a cabo a descolonização sem uma mudança no sujeito”. [9]  Ambos os movimentos implicam, por sua vez, a transformação radical dos nossos regimes de inteligibilidade, pois descolonizar não é desfazer ou apagar o passado colonial, mas subverter a racionalidade que nele se ancora e que, a partir dele, ainda coloniza nosso presente e nosso futuro. Trata-se não de liberação, mas de invenção. 

Ainda que a psicanálise tenha algo a nos ensinar sobre o modo como a rememoração e o enfrentamento de resistências podem criar a possibilidade de que o futuro não se dê como repetição e, assim, em sua imprevisibilidade e alteridade radical, escape à pretendida colonização, ainda será preciso construir novas formas de hospitalidade, para além da domesticação, ou seja, outras maneiras de lidar com o estrangeiro e seu potencial de perturbação, seu caráter de intruso. 

No domínio da experiência subjetiva, tal tarefa significa produzir novas formas de reconhecimento que se articulem a outros regimes de inteligibilidade, para além de qualquer lógica identitária, instrumental ou, por fim, colonial. Para isso, nos termos de Giddens, talvez seja preciso abandonar nosso casulo protetor e enfrentar o perigo – não o risco, sempre calculável e administrável – de viver em mundo não colonizado e não domesticado, um mundo estrangeiro e incômodo, intimidante,  Unheimilich.

Eduardo Leal Cunha é Psicólogo e psicanalista, Doutor em Saúde Coletiva (IMS/UERJ) e Mestre em Teoria Psicanalítica (UFRJ). Atualmente é professor do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Sergipe e Pesquisador Associado da Universidade de Paris. Autor de Indivíduo singular plural: a identidade em questão  (2009),  O político e o íntimo: subjetivação e política do impeachment à pandemia  (2021) e  O que aprender com as transidentidades: psicanálise, gênero e politica (2021), dentre outros.

*Texto originalmente publicado pela N-1 Edições e republicado pela Criação Humana.


[1]  Anthony Giddens,  Modernidade e identidade.  Rio de Janeiro: Zahar, 2003

[2] Santiago Castro-Gómez & Ramon Grosfoguel (coords.), El giro decolonial: reflexiones para uma diversidad epistêmica más allá del capitalismo global Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos, Pontificia Universidad Javeriana, Instituto Pensar, 2007. 

[3]  Theodor W. Adorno & Max Horkheimer,  Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos . Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

[4]  Roland Barthes,  Mitologias . São Paulo: Difel, 1985.

[5]  Eduardo L. Cunha,  Indivíduo singular plural: a identidade em questão . Rio de Janeiro: 7Letras, 2009. 

[6]  Étienne Balibar & Immanuel Wallerstein,  Race, nation, classe – les identités ambiguës . Paris: La Découverte, 1999.

[7]  Robin DiAngelo, “Fragilidade branca”.  Dossiê Racismo – Revista ECO Pós UFRJ  vol 21 n 3, 2018, p. 35-57.

[8]  Zigmunt Bauman, “Identité et mondialisation”. In Yves MIchaud (Org.). L’individu dans la société d’aujourd’hui.  Paris: Odile Jacob, Université de tous les savoirs, vol 8, 2002, p. 55.

[9]  Nelson Maldonado-Torres La descolonisación y el giro des-colonial.  Tabula Rasa . Bogotá – Colômbia, 9. Julio-Diciembre, 2008, p. 67.

Dean Spade e a promessa de apoio mútuo

Dean Spade

O radical professor de Direito explica como podemos atender às necessidades uns des outres com dignidade, cuidado e justiça.

Quer se trate da crise climática, perda de salários, custos de moradia, brutalidade policial, deportação, assistência médica corporativa ou simples má conduta política, é fácil olhar para os Estados Unidos e ver nada além de uma catástrofe à frente.

O que menos se comenta é como podemos aprender a enfrentar desafios tão imensos e o que significa reconhecer a dimensão dos problemas sem perder a esperança. Em um livro novo – “Apoio Mútuo: construindo solidariedade durante essa crise (e a próxima)” -, Dean Spade, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Seattle e fundador do “Silvia Rivera Law Project”, oferece um guia para a criação de movimentos duradouros para combater a injustiça, ao mesmo tempo em que atende às necessidades imediatas das pessoas prejudicadas pela pobreza, criminalização, racismo, transfobia e capacitismo.

Spade argumenta que nós vivemos em uma das “sociedades mais atomizadas da história da humanidade, o que torna nossas vidas menos seguras e prejudica nossa capacidade de nos organizarmos juntos para mudar condições injustas em grande escala”. É nesse contexto — definido tanto pelo isolamento social quanto pela dependência de instituições tóxicas e hostis — que Spade situa o conceito de apoio mútuo. Sua escrita nos dá as ferramentas para atender “às necessidades uns des outres com base em comprometimentos compartilhados com dignidade, cuidado, e justiça.” Enquanto alguns imaginam a política nacional como o principal via para a mudança social, Spade argumenta que a transformação real e duradoura vem da organização dentro de nossas comunidades. Seu livro é ao mesmo tempo um apelo à luta, um bálsamo para todes aqueles que se desesperam com o que se mostra no presente e com o futuro e um modelo de como podemos viver melhor uns com es outres.

No início de seu livro, você pontua que apoio mútuo não é a mesma coisa que caridade. Como essas duas práticas se diferem?

O apoio mútuo descreve o trabalho que fazemos nos movimentos sociais para apoiar diretamente as necessidades de sobrevivência uns des outres, com base em um entendimento compartilhado de que as crises que enfrentamos são causadas e agravadas pelo sistema em que vivemos. O apoio mútuo foca em ajudar as pessoas a obter o que precisam agora, enquanto trabalhamos para chegar à raiz desses problemas.

Caridade, por outro lado, se baseia em pessoas ricas – e os governos que dirigem – dando pequenas quantias de sua riqueza roubada para pessoas pobres, geralmente para reprimir revoltas em que as pessoas se envolveriam contra sistemas tão extrativistas. A caridade também se define por quem merece e quem não merece ajuda, o que significa que a caridade sempre tem muitas amarras. Pode ser que esses programas apoiem apenas indivíduos que não têm antecedentes criminais ou apenas aqueles que têm filhos ou apenas aqueles que são documentados, cristãos ou sóbrios. A caridade tem tudo a ver com encontrar pessoas em crise e dizer: “Como essas pessoas podem ser consertadas?”. O apoio mútuo encontra pessoas em crise e diz: “Você deve ter tudo o que precisa e os sistemas são os culpados por essas crises, não você”. Ele oferece ajuda sem amarras e sem esses rigorosos requisitos de elegibilidade, com base na ideia de que todos devem ter moradia, remédios, creches ou o que precisarem.

Uma parte que me chamou a atenção enquanto lia é que “desastres muitas vezes simulam fantasias de um governo benevolente enquanto enfrentamos o fracasso brutal do governo e desejamos que as coisas fossem diferentes”. Como o apoio mutuo nos ajuda a lidar com desastres imediatos? O que ele faz para tornar as coisas diferentes?

Às vezes, quando temos movimentos potentes que incluem apoio mútuo, conseguimos concessões do governo. E às vezes o governo pode fornecer benefícios em uma escala maior do que os projetos de apoio mútuo, porque tem diferentes quantidades de recursos e equipamentos e capacidade administrativa. Mas o problema da ajuda do governo é que ela sempre é restrita por critérios de elegibilidade e pode ser retirada a qualquer momento. Quando os ventos políticos mudam ou não estamos mais tão mobilizados, a ajuda pode ser reduzida ou removida completamente. Esperar por um estado benevolente que algum dia forneça ajuda de uma forma que não seja racista ou capacitista ou que não deixe de fora as pessoas mais pobres e estigmatizadas não é realidade nos EUA.

Devemos, é claro, comemorar quando nossos movimentos conseguem obter concessões. Mas o que realmente estamos tentando construir é nossa capacidade de atender às nossas próprias necessidades em nossas próprias comunidades, para decidir por nós mesmes, juntes, levando em consideração como nossas vidas funcionam, em vez de deixar que pessoas ricas e seus fantoches decidam. Nós queremos que a população local controle sua rede elétrica, crie e controle sistemas de produção de comida, saúde e moradia sustentáveis, acessíveis, e possam fornecer para todes, ao invés de esperar que o governo vá algum dia fazer tudo isso de maneira correta.

Essa “desconfiança” do Estado é um tema recorrente em seu livro. Estou curioso para saber: como você responde às pessoas que dizem que certas crises só podem ser resolvidas por um governo grande e centralizado?

As pessoas precisam entender que o que o governo faz agora é, na verdade, um projeto massivo de redistribuição ascendente. Ele tributa todo mundo e depois dá esse dinheiro para corporações, militares, prisões e policiais. Nós perguntamos: “Por que temos pobreza?” e é porque existe um enorme aparato estatal que garante a extração de lucro da maioria das pessoas para um número muito pequeno de pessoas. O estado garante que a água e o ar das pessoas pobres possam ser poluídos e que suas necessidades de alimentação, saúde e moradia possam gerar lucro para outras pessoas.

Você precisa de um sistema enorme, complexo e coercitivo para forçar as pessoas a trabalharem nas fábricas da Tyson, a pagar aluguel, a se submeter a todos os terrores e humilhações de viver assim. Com o apoio mútuo, nós estamos falando sobre redistribuição para as classes mais baixas, e isso não é algo que o governo dos Estados Unidos faz, mesmo que ocasionalmente jogue alguns trocados para pessoas que consideram pobres merecedores. 

Existem vários tipos de liberais interessados ​​em dizer que houve um tempo em que as coisas eram melhores. Muitas pessoas fantasiam sobre o New Deal. Mas o estado sempre usa sua capacidade administrativa para articular o controle de gênero-raça, a extração e a má distribuição. A seguridade social foi criada para excluir os trabalhadores domésticos e agrícolas e para subcompensar as trabalhadoras. Essas coisas não são acidentais – elas são propositais.

Como você diferencia o apoio mútuo que cresceu com as falhas do que se espera do estado e os programas de ajuda mútua que as organizações liberais adoram elogiar?

O fato de as pessoas de extrema direita terem uma crítica ao estado de bem-estar social e de as pessoas de esquerda também o fazerem não significa que seja a mesma crítica. A direita tem medo de ter que apoiar pessoas que ela despreza e cuja vida acha que não vale a pena. As forças de direita querem deixar congelada a desigualdade extrema, que é muito racializada e de gênero, e então tirar todo o apoio do governo para pessoas que se tornaram pobres e miseráveis ​​por programas estatais que distribuíram terra e trabalho de maneiras particulares e garantiram que certas populações não tenham suas necessidades básicas atendidas.

Não é disso que as pessoas que vêm de uma perspectiva feminista antirracista estão falando. Queremos acabar com a violência do Estado que mantém a extrema concentração de riqueza. Nos opomos às estruturas corporativas e governamentais que concentram a riqueza e mantêm o lucro, e nos interessa criar novas relações sociais nas quais todes tenham o que precisam.

Você percebe que muitas vezes estamos fixados em ganhos a curto prazo, ao invés de construir uma possibilidade de melhoria a longo prazo para nosso bem-estar e o bem-estar dos movimentos com os quais nos preocupamos. O que é preciso para nos reorientarmos para esse tipo de trabalho?

A maioria das pessoas entra em movimentos porque precisa de algo, “Preciso de alguém para me ajudar com meu despejo e ouvi dizer que vocês estão ajudando pessoas com a mesma demanda neste projeto de apoio mútuo”. Muito do que os grupos de apoio mútuo podem fazer é ser um lugar para receber pessoas que estão se envolvendo em movimentos recentemente, e não: “Vocês todos já precisam ter a mesma condição”. Em vez disso, queremos nos envolver com as pessoas e perguntar: “Você está mal com que? O que você quer fazer? Você quer nos ajudar a tentar resolver algumas dessas questões?” E por meio disso, vamos continuar conversando e construindo uma análise do que pensamos ser a causa raiz disso tudo.

Como nós podemos construir desde pequenas vitórias, que podem nos fortalecer pessoalmente, até o tipo de vitórias políticas que podem melhorar materialmente a vida de dezenas de milhões de pessoas?

Acho que a maior parte da oportunidade de vitórias políticas estão nas vitorias locais, e a maior parte dos desastres também acontecem no nível mais local. Quando um incêndio atinge nossa comunidade ou quando estamos tentando pensar em como lidar com a Covid, é onde encontramos o desastre e a oportunidade política. E quando as pessoas são encorajadas a assistir passivamente ao espetáculo secundário da política nacional, parece muito, muito desmobilizador. Essa é uma das grandes mitologias dos EUA – que a política acontece principalmente nas e a partir das eleições.

Mas a política está acontecendo em todos os lugares, o tempo todo. Está acontecendo nas interações que as pessoas têm todos os dias para sobreviver e conseguir o que precisam. Acontece em todas as suas interações com a polícia e todos esses órgãos do governo que controlam suas vidas. Então, quando falamos dos discursos famosos e dos líderes carismáticos de um momento, como “Montgomery Bus Boycott”, não falamos detalhadamente sobre todas as pessoas que coordenaram os passeios, todo o trabalho necessário para que isso fosse possível. Temos que mudar nossas ideias sobre escala e entender que escala significa algo não por estar centralizado em um lugar, ou porque há uma pessoa para quem você pode olhar, mas porque significa que muitas pessoas estão praticando algo como apoio mútuo em nível local.

Então você diria que o apoio mútuo acontece principalmente de forma local?

Eu ficaria triste se os projetos de apoio mútuo fossem caracterizados apenas como um trabalho local, porque eu me envolvi e me preocupo com muitos movimentos que funcionam em diferentes escalas. Estou coordenando projetos com pessoas em várias cidades diferentes que estão tentando tirar o dinheiro da polícia de suas cidades e estamos compartilhando estratégias. Pessoas de todo o mundo estão se coordenando para responder à preocupação de que Biden recoloque as terríveis políticas de imigração de Obama, mas estão respondendo de sua localidade, onde estão apoiando pessoas dentro de centros de detenção ou passando por processos de deportação ou vivendo com medo do ICE raids. Estamos todos mobilizando localmente e apoiando as pessoas localmente, enquanto coordenamos e compartilhamos análises e estratégias. Essa descentralização importa, e é o contrário do que o Estado quer fazer, que é centralizar. É uma ajuda que é realmente determinada por aqueles que estão participando ativamente, compartilhando sabedoria local e práticas úteis, não implementando soluções padronizadas que inevitavelmente impõem exclusões.

A natureza local e descentralizada do apoio mútuo é essencial, e podemos ver isso especialmente na resposta a desastres, onde a FEMA é geralmente inútil no terreno, enquanto os projetos locais de apoio mútuo realizados por pessoas que conhecem seus vizinhos e conhecem o local são mais eficazes. É um erro caracterizar as práticas baseadas no conhecimento local e no controle local como projetos de “pequena escala” quando as pessoas estão fazendo tudo e compartilhando conhecimento e recursos mesmo em grandes distâncias.

Estou curioso para saber se você tem algum conselho para as pessoas sobre como se manter ativamente mobilizado – como não deixar que o que aconteceu nos últimos meses seja o fim de sua participação política. Para onde vamos daqui pra frente?

As crises que enfrentamos não vão desaparecer. Acho que cada vez mais pessoas sentem isso, e essa eleição desiludiu ainda mais as pessoas que pensavam que poderíamos simplesmente votar e sair de qualquer coisa que estamos enfrentando agora. Acho que é por isso que tantas pessoas estão se envolvendo em projetos de apoio mútuo e estão ansioses para encontrar maneiras de se sentirem mais conectadas a algo que realmente faça a diferença.

Até certo ponto, temo que as pessoas que foram mobilizadas pelo terror vivido durante o governo de Trump possam se desmobilizar por uma pequena melhoria durante a presidência de Biden. Mas muitas pessoas ainda vão observar que as crises estão na nossa cara. O clima que tivemos este ano, os incêndios e tempestades que tivemos este ano, a experiência de ter o governo respondendo à Covid de uma forma que resultou na morte de centenas de milhares de pessoas, sugere a urgência de muitos diferentes tipos de ação política, incluindo apoio mútuo e ação direta e organização muito profunda e muito difundida.

Vimos a concentração de riqueza, a força policial e a máquina de deportação crescer e o imperialismo militar dos EUA se expandir, e todas essas guerras incrivelmente longas. Uma resposta apropriada a isso é ficar horrorizado e sentir pesar, e essas realidades e sentimentos também podem nos mobilizar. Temos vivido essas incríveis revoltas contra a supremacia branca e a violência policial, onde muita gente nova tem saído para as ruas.  E por meio dessa combinação de apoio mútuo, educação política, construção de solidariedade e ação direta e disruptiva nas ruas, vimos as pessoas desenvolverem uma nova maneira de pensar sobre qual pode ser seu papel para enfrentar essas crises e salvar as nossas vidas.

*Entrevista concedida pelo autor Dean Spade originalmente a Daniel Fernandez, do jornal The Nation, traduzida e republicada pela Criação Humana.